quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Kafua (Morrer)


Abake o muxima  

(guarde o seu coração)

o an' ê 

(os seus filhos).


Kimbanda kibake o uanga uê 

(Curandeiro guarde o seu feitiço)

--- Abakuile ---

(---prestar contas---)

O Kimbanda kiabakuile!  

(O Curandeiro pagou!)


Etu tuabakuile 

(Nós levantamo-nos)

Abrange! 

(Lutem!)

Exane o mukongo, nada abrange  

(Chamem o caçador para que lute)

Em ngambange kiavulu... 

(Eu lutei muito...)

Kana mutu uabange kual'etu.

(Ninguém lutou por nós.)


Tata 

(Pai)

Kitari kiabu, 

makamba

mamuangana.  

(Dinheiro acabou,

amigos se dispersam.)

Em negabu 

(Eu acabei)

Ene abu o ima ioso.

(Eles saquearam as coisas todas.)


O tubia tuabuikirile 

(O fogo acabou-se de vez)

O tata iabuirile.

(O pai cansou.)

Muene uafirile o kufua.

(Ele preferiu a morte.)

Muene uai. A tu fuila.(?) 

(Morreu por nós.)


Tata 

(Pai

Kitari kiabu, 

makamba

mamuangana.  

(Dinheiro acabou,

amigos se dispersam.)

Em negabu.

(Eu acabei.)


O akongo a mu furila o 'nzo iê. 

(Os caçadores velaram- lhe a casa sua.)

Aiué-mamê! 

(Ai! Minha mãe!)


Aiué...! Aiué...!

(Ai...! Ai...!)

O tata a i zola ju muxima uê. 

(O pai é amado no teu coração.)


Aiué-mamê!

(Ai-mamã!)

Aiué, ami Kalunga.

(Ai, meu Mar).

lmc

 (Poema em Kimbundo)


terça-feira, 13 de junho de 2023

numa tarde quente de verão com a pandemia pela mão

a tarde quente de junho

corria sobre a cidade despida

de carros

e os passeios abertos ao passos

lentos do olhar 

davam o prazer de neles sentir 

o poder de ali estar.


a avenida de roma já não era "exótica"

já não era a mesma daquele tempo

mas a beleza dela

ainda perdurava nos teus olhos

cintilantes 

onde eu via 

a avenida que nos unia.


se esse outro tempo voltasse

aquele onde meu caminho com o teu

se cruzou e de novo se cruzasse 

como um pastel de massa tenra

que na boca fosse fome 

que me acalmasse

seria viver

novamente

o amor nascido para te ter.


era sábado

mas nada mais importava neste dia

se não esse momento revivido

sem se perder.


era sábado

a cidade despida de carros e

passeios abertos ao passo lento 

no prazer do olhar 

de ali estar

de poder descer a avenida de roma

como se o tempo 

a outro tempo pertencesse

... e voltasse.


era sábado

e os pastéis de massa tenra

 esperavam por nós.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

dúvida

não sei se é do mar

que dele me faz encantar

se é da concha arrastada 

que dela me faz amada.


domingo, 28 de novembro de 2021

inspiração

contigo

sempre contigo

meu amor antigo

velho-novo 

a cada passo

a cada laço

a cada nova emoção

sempre contigo

de mão a mão.

domingo, 21 de novembro de 2021

Como se houvesse incerteza

Toma conta do menino
Olha que ele vai acordar
Terá fome
Quererá a horas certas
mamar.

Toma conta do menino
Não te deixes adormecer
Que o seu chorar é fino
E podes não o entender.

sábado, 23 de outubro de 2021

...

Na sala espera-se

a chamada da vacina

O cão mata o tempo.

....

Calam-se as vozes

que cantavam de manhã

Ainda durmo.

sábado, 22 de maio de 2021

nascem árvores no céu

 

a primeira palavra

na primeira letra 

arranhada

insisiva no tronco 

decalcada

e o destino da árvore

em escalada.


de cada sílaba

acumulada

a memória labiríntica

desconexada


e a folha seca

que foi jovem apaixonada

sente-se agora finada.


foi verde despontada

cresceu forte

e o tempo passou

inscrito

debaixo de alvoradas

sem dar por nada.


deixa a memória

rente ao chão

para que da sua história

seja o carbono

sua última paixão.


desenhada palavra

voada

em círculo veriginoso

rasgada

no imaginário

da coisa amada

dum céu como morada.


fica de pé a árvore

em novas folhas 

renovada

até ao fim 

numa morte provocada.


(um arco-íris desponta nos teus olhos

a anunciar o fim da trovoada.)



domingo, 18 de abril de 2021

As águas rasgadas



  foto do autor

Deitava o olhar naquela sombra do barco sobre o mar, como se fosse companheiro a seguir o mesmo caminho, num destino ainda incerto a que não queria, agora, pensar.

Quando partiu, nesta viagem solitária, era um homem de convicções firmes e vontades arrojadas.

Tinham passado muitos dias após a decisão de fazer a volta ao mundo nesse veleiro a que tinha dedicado uma estima e cuidados exímios. Para tal, estudou as rotas, a meteorologia, as correntes, os ventos e os mares. Tinha a quase certeza que um ano bastaria para concretizar esta ousadia e dela fazer a sua maior aventura.

Apetrechou-se de toda a tecnologia, alimentos e recursos indispensáveis a tão longo isolamento. Mentalmente estava apto e pronto à iniciativa como, aliás, outros o tinham já feito. Tinha a idade, saúde e motivação certas.

No dia aprazado para a partida, já no cais, olhou uma última vez para a cidade onde cresceu e, com a manhã a despender a luz crua de verão, sentiu um vazio profundo a expandir-se desde o estômago até ao mais profundo da sua alma.

Agora, em mar-alto, pela primeira vez, instalava-se no seu espírito a dúvida, a incerteza, na sua decisão. Esta poderia - mal ou bem - ser a sua última viagem.

Lembrou-se da despedida naquele cais quase vazio.  A última recordação daquele cidade extendida nas avenidas solitárias onde antes eram preenchidas por gente, muita dela, se não a maioria, estrangeira. E a luz. Era a cidade branca dos poetas e escritores, dos amantes e sonhadores, de tanto calor humano e dos cantores. Dos solitários, também. Era a cidade cheia até à chegada da pandemia.

(chegado aqui, está difícil um final feliz e acolhedor)

Pois bem... ao fim de um mês de viagem, com ventos favoráveis, pegou no radio- satélite, ligou-o ao computador e, numa chamada para casa, soube que ia ser avô. Disse à mulher que desistia. Voltava para trás. Não tinha de provar nada a ninguém e, muito menos a ele próprio. A única razão de desistir era a vontade de ver a neta nascer. Essa foi a decisão mais importante que tomou na sua já longa vida.


domingo, 7 de fevereiro de 2021

Pandemia



Despediu-se de mim a luz suave de Janeiro deixando para trás a tragédia e o sofrimento dum ano inteiro. Tantas mortes, tantas pessoas doentes, como nunca, num mês primeiro, com o atraso do confinamento. Alastrado o silencioso desconhecido, onde o medo foi adaptado, fica esta tristeza em mim plantada.

Chove.

Não houve trovão a anunciar a intempérie.
Também não houve anjos, com as suas trompetes, a darem boas-novas.

Foi só silêncio e dor.

Aos dias varridos, esta a memória de todos os nomes.

De todos.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

a taberna



'empatas' no campeonato que correu mal.

- ná, assim não vamos lá!
diz o 'picas', em tom zombeiro.

passar de primeiro pr'a último.

- deixa lá, ó zé 'picas', ainda havemos de ver como é. o que tiver de acontecer, será.

- pois, tá bem, mas eu é que nã posso com estes filhos da mãe.
andam p'raqui a chutar abóboras
à procura de pevides.
querem lá ver que ficamos aqui no tasco com os bolsos sem um vintém para o tremoço.

- marisco, 'nando', marisco cá do mijo.

- vamos lá acalmar com isso. aqui os mictórios não são p'a isso.

diz o taberneiro, de trapo na mão a 'limpar' o tampo do balcão e olho na televisão.

- venha lá mais uma rodada, ó ti 'mané', antes que a garganta seque e a voz tremelique. vocemecê sirva quê pago.

- aqui o amigo 'toino' é que nã tá
com meias-medidas. faz tempo calado e copo vazio. calado é nome de meio...e está sempre certo... ahahah.

- vazio, nã tá. tá cheio do mê olhar.

- vamos lá então tirar o ar. ou será melhor ir p'ra casa tirar o jantar?

- ná, agora é que vou ficar. quero ver como isto acaba.

e acabou...

1 a 1 é o resultado final.